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quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Droga guiada nos vasos sanguíneos aponta possível cura para tumores e obesidade


Cientistas brasileiros lideram equipe responsável por desenvolver molécula que pode ser programada para destruir alvos específicos


O casal de cientistas brasileiros Renata Pasqualini e Wadih Arap investe pesadamente há 10 anos numa linha de pesquisa contra o câncer com potencial de gerar drogas letais apenas para as células dos tumores. A ideia da bióloga molecular e do médico pesquisador, que chefiam um laboratório no MD Anderson Cancer Center, da Universidade do Texas, em Houston (EUA), é explorar uma característica vascular dos tumores.
O câncer faz surgirem vasos sanguíneos, na hora e no lugar errados, que têm uma assinatura química única, uma espécie de CEP molecular particular. Se for possível mapear o endereço químico de cada tipo de tumor e desenvolver proteínas-carteiros capazes de levar uma carta-bomba somente para os vasos que alimentam as células indesejadas, a possibilidade de construir drogas a partir das peculiaridades do sistema vascular pode ser testada na prática.
Renata e Wadih publicaram recentemente dois artigos em importantes revistas científicas. Um dos trabalhos aponta uma possível nova forma de combater a obesidade. Na edição de 9 de novembro da Science Translational Medicine (STM), eles relataram que um grupo de 10 macacos rhesus obesos perdeu, em média, 11% do peso depois que os animais foram submetidos a um tratamento com uma droga chamada adipotídeo por um período de quatro semanas.
Aparentemente o candidato a remédio não provocou maiores efeitos adversos nos primatas. " Essa é uma descoberta potencialmente importante, visto que a ocorrência de efeitos colaterais desagradáveis limita o uso das drogas aprovadas que reduzem a absorção de gordura nos intestinos" , diz Renata.
O segundo estudo saiu em 15 de novembro na versão impressa da revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS). No trabalho, quatro CEPs moleculares foram identificados a partir da biópsia de tecidos de três pacientes com câncer. Dois endereços vasculares são comuns a tecidos de vários órgãos; um leva especificamente a metástases de câncer da próstata encontradas na medula óssea; e outro se liga às células de tecido adiposo branco, nome técnico do perigoso tipo de gordura que se acumula ao redor do estômago e debaixo da pele. " Esse estudo faz parte dos trabalhos de nosso laboratório para mostrar que os vasos sanguíneos são mais do que um ' encanamento' ubíquo e uniforme a serviço do sistema circulatório" , afirma Wadih.
" Vamos usar esses novos ' endereços vasculares' para desenvolver drogas contra câncer e obesidade ou novas metodologias para direcionar drogas e diminuir efeitos colaterais" , comenta a brasileira Fernanda Staquicini, pesquisadora do MD Anderson e primeira autora do trabalho na PNAS. Além do casal de cientistas e de Fernanda, mais quatro brasileiros assinam o artigo.
Carta-bomba
Desenhada pelos brasileiros, a droga testada nos macacos é formada pela junção de duas moléculas. A primeira é um fragmento de uma proteína (peptídeo), que se liga especificamente ao receptor proibitina, um CEP químico encontrado na superfície das células dos vasos sanguíneos dos tecidos gordurosos. A segunda é uma estrutura com formato em espiral, de saca-rolhas, chamada klaklak, que penetra nas células dos vasos sanguíneos e provoca seletivamente a morte dessas estruturas que irrigam as células adiposas. O klaklak ataca as mitocôndrias, a usina de energia das células. Sem vasos para fornecer os nutrientes, as próprias células de gordura morrem. Retomando a analogia postal, uma molécula faz o papel de carteiro, de encontrar o endereço desejado, e a outra é a carta-bomba em si.
Além de os primatas terem perdido pouco mais de um décimo do peso total, imagens de ressonância magnética mostraram que houve uma redução de 27% da gordura abdominal. A resistência à insulina, fator de risco ao diabetes, diminui em 50% nos animais. Não foram verificadas alterações de comportamento nos macacos nem sinais de náusea ou aversão à comida. " Os principais efeitos colaterais foram nos rins. Mas eles dependem da dose da droga empregada, já eram previstos e são reversíveis" , diz Renata. Quando deixam de tomar o adipotídeo, os efeitos positivos e negativos desaparecem. A droga não produziu alterações de peso em macacos magros, indicativo de que o composto ataca somente os vasos sanguíneos do tecido adiposo.
" A obesidade é um grande fator de risco para o desenvolvimento de câncer e tem mais ou menos o mesmo peso do que fumar. Sob qualquer ângulo, os pacientes obesos com câncer reagem pior à cirurgia e ao tratamento com rádio ou quimioterapia. Mas, assim como o tabagismo, a obesidade é potencialmente reversível" , afirma Wadih. O próximo passo é testar o adipotídeo em indivíduos obesos com câncer de próstata, um experimento clínico que está sendo preparado pela equipe do MD Anderson Cancer Center. Os pacientes vão receber a droga diariamente por quatro semanas e será averiguado se a perda de massa corporal e a diminuição dos riscos associados à obesidade trarão benefícios também para o controle do tumor.

Fonte: FAPESP

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